Diário da Serra
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Lenice: na diferença, a promoção da vida

Iolanda Garcia e Rodney Garcia 21/09/2018 Memória

Lenice é uma entusiasta da inclusão, da educação especial

Maria Lenice Lima de Freitas

Maria Lenice Lima de Freitas, paranaense de Iporã, chegou a Tangará da Serra com dezessete anos, vindo de Recife-PE, onde morava com a avó. Seus pais chegaram aqui em 1974. Dos sessenta anos vividos (22//06/58), quarenta e três foram construindo ideias, pessoas, valores. Foi vendedora, bancária, professora, coordenadora e diretora de escola especial, formadora, catequista, organizadora de cavalgada, mãe, avó. Funções que a transformaram, a edificaram, a humanizaram.


Primeiras impressões 

Lenice, como é conhecida, ao chegar a Tangará da Serra, em 1975, se  deparou com uma paisagem diferente da verificada no litoral pernambucano, com ruas de terra, barro, poeira, poucas casas.   “Imagina você, Recife sem poeira, e eu chegando aqui, com poeira para todo lodo lado. Foi um grande choque. Fizemos amigos. Nos adaptamos. Mudamos e contribuímos para que mudanças ocorressem. Aqui estamos quarenta e três anos depois, morando em um polo regional de serviços,” entre risos, sintetizou o tempo dedicado a este Município.


O casamento
 
Ingressou no segundo grau, na Escola 29 de Novembro, para cursar o  técnico em contabilidade. Formou amigos. Foi para o grupo de jovens da igreja católica. Entre os trabalhos escolares e o grupo de jovens, conheceu Eurípedes de Freitas, com quem viria a casar. “Eu não sabia que ele gostava de mim. Um dia, fui pega de surpresa: ele pedindo aos meus pais autorização para namorar comigo. Namoramos durante dois anos e meio. Inicialmente, nosso enlace seria em maio, mas, como ele mesmo fala, a grana estava curta. Ele foi trabalhar no banco Itaú em 79 – eu trabalhei no Bemat, de 76 a 78 – e, em setembro, nos casamos”.


O magistério e a educação especial

Relata que em 1980 mudou-se para o Município de Denise-MT, onde cursou o magistério no período e noturno e, neste mesmo ano, começou a lecionar, dando aula para uma turma do pré-escolar. De lá, aventuraram para Rondônia, onde não obtiveram êxito e, em 1984, retornaram para Tangará da Serra, onde trabalhou no comércio. Aqui, no ano de 1987, na Escola Ramon Sanches Marques, iniciou seus trabalhos com educação especial. “O Ramon foi uma das primeiras escolas públicas de Tangará a trabalhar com crianças especiais. Naquela época, as crianças especiais ficavam em salas separadas das demais. Não tínhamos presente os pressupostos educacionais que viríamos a construir nas décadas seguintes. Mas, foram passos importantes para a inclusão e a promoção de crianças especiais”.


A inclusão, a militância educacional e a construção de políticas públicas
 
No ano de 1993, ao tomar posse no concurso para professora normalista, no Município de Nova Olímpia-MT, recebeu o convite de Shirley Garcia para trabalhar com crianças excepcionais na APAE de Tangará da Serra. Ela, prontamente, aceitou. A tramitação do processo que resultaria em sua cedência para a Associação durou mais de noventa dias. “Enquanto não saía a minha cedência, eu ia e voltava, de ônibus, todos os dias para Nova Olímpia. Tinha dia que o ônibus atrasava e a gente chegava em casa já tarde da noite”. Consolidada a cedência, iniciou os trabalhos, pelos quais se apaixonou. Nesse ínterim, cursou pedagogia, especializou-se em educação especial, com ênfase em deficiência intelectual.


Dentre os trabalhos desenvolvidos na Associação de Pais e Amigos dos  Excepcionais – APAE – está a equoterapia, também chamada de hipoteratia, que é praticada com o uso de cavalos “para estimular o desenvolvimento da mente e do corpo de pessoas com alguma necessidade especial, como  a síndrome de Down, paralisia cerebral, hiperatividade, autismo, dentre outros,” exemplificou a entrevistada. Registrou também que a terapia com “cavalo transmite impulsos ritmados para as pernas e para o tronco da criança, estimulando a contrações e relaxamentos que facilitam a percepção do próprio corpo, noção da lateralidade e da manutenção do equilíbrio”.


Lenice é uma entusiasta da inclusão, da educação especial, e compreende que somente a educação poderá romper com preconceitos e discriminações de qualquer natureza. Tanto é que, em seus termos, “o conhecimento transforma as pessoas, e as pessoas, de posse dos conhecimentos e dos valores da verdade, da justiça, do respeito, saberão lidar com a diferença. E enquanto, homens e mulheres farão a diferença em seus modos de sentir e de viver”. 


Durante sua permanência na APAE, quatorze anos, ocupou os cargos de coordenadora pedagógica e diretora da instituição. Nesse ínterim, integrou a direção da Federação Mato-grossense das APAEs. Participou de congressos, seminários e conferências, onde contribuiu,  significativamente, para com a construção de políticas e programas educacionais voltados à inclusão, às pessoas com necessidades educacionais especiais.


Entre uma e outra função, quer seja de professora, coordenadora ou diretora, considerou a possibilidade de que alunos com necessidades educacionais especiais participassem de festividades populares. Conversou com a instituição e os organizadores de uma das muitas cavalgadas, e os alunos da APAE, no período de 2003 a 2006, desfilaram, devidamente acompanhados de professores e instrutores, em montarias da Associação, de terceiros. “Aqueles que demonstravam interesse e, devidamente autorizados pelos pais e pela equipe de saúde, a gente conseguia carroças e os alunos participavam do desfile. Para os pais desses alunos, a cavalgada enchia seus filhos de expectativas e, nos dias seguintes, eles transbordavam de alegria,” relembra Lenice. 


Lenice relatou que participou da criação da Associação dos Amigos Deficientes Auditivos de Tangará da Serra – MT – AADTA – onde ocupou cargos na diretoria, colaborando diretamente para a implantação do programa de fabricação de vassouras ecológicas.


A caminho da aposentadoria

Em 2007, deixou de atuar na APAE. Foi lotada na Escola Emanoel Pinheiro, onde desenvolveu projetos na sala de recursos. Segundo Lenice, “a sala de recursos multifuncionais é um ambiente dotado de equipamentos, mobiliário e materiais didáticos e pedagógicos para a oferta do atendimento educacional especializado, de modo a garantir condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular aos alunos com necessidades educacionais especiais matriculados na rede pública de ensino regular”. Nesta escola, ocupou o cargo de direção. Nos anos de 2008 e 2009, foi formadora do CEFAPRO. Em 2012, aposentou-se como professora.


 



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