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Nem Mário, nem João

Rosana Leite Antunes de Barros 29/01/2020 Artigos

O que tenho visto são estatísticas evidentes e gritantes de violência doméstica e familiar

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Com o surgimento da Lei Maria da Penha, questionamentos houveram, até mesmo na esfera jurídica. Muitos e muitas entendiam, viam e vivenciavam mulheres sendo vítima da temida violência doméstica e familiar, mas, perguntas surgiram. Porque a defesa da mulher? Essa lei só pode ser aplicada para mulheres? E os homens, a quem devem se socorrer em caso de violência no âmbito familiar?           


Não precisamos de muitas explicações, para dizer que a violência doméstica e familiar contra as mulheres sempre aconteceu, e acontece. Até nas melhores famílias? Quais as características dos agressores? E mulheres, quais são as mais propensas a sofrer? Não diz a Constituição Federal que são iguais perante a lei os homens e as mulheres? Para que a Lei Maria da Penha, então?


Mais uma vez é preciso tocar nas mesmas “teclas”. A necessidade impõe, quando a percepção é de que existem dúvidas a serem solvidas. A Lei Maior do país, a Constituição Federal de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, delineou situações pontuais, necessárias para a compreensão da sociedade em geral, deixando evidente os grupos de vulneráveis. Assim, ela diz no artigo 5º, inciso I: “Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.” Eis a igualdade formal. Importante para que a igualdade material pudesse começar a ser pensada.           


O primordial é se fazer sentir essa equidade. Entretanto ela, a igualdade material, a que verdadeiramente interessa, só pode ser sentida com leis a garantir que as diferenças sejam reconhecidas e extirpadas. E quem, em sã consciência, pode deixar de afirmar que as mulheres sempre sofreram a desigualdade? Aliás, existe grande dívida social com o gênero feminino neste sentido. E essa dívida em algum momento da existência humana deve ser sanada, para que as injustiças e violências deixem de acontecer.           


Triste ter que mencionar diuturnamente, em redundância. Sim, muitos e muitas ainda questionam a necessidade de normas especificas a tratar dos direitos humanos das mulheres. Segundo as estatísticas, a violência da mulher contra o homem é a mesma do homem contra as mulher? Mulheres matam homens com a mesma frequência que homens assassinam mulheres? E mais: mulheres e homens possuem a mesma força física? O corpo feminino se parece com o masculino?           


É. Não precisamos ser Sherlock Holmes para decifrar as dúvidas acima. A mulher precisa, e muito, da Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha. Elas fazem “uso” dessa lei para “maltratar” homens? Muito pelo contrário, dependem dela para não serem agredidas dentro de casa. Mulheres de qualquer raça, credo, etnia, condição social, grau de escolaridade, religião etc., são vítimas. Os homens, por obviedade, em sendo vítimas, por não haver tolerância com qualquer forma de violência, possuem o Código Penal à disposição, resguardando os seus direitos.    

      
A cada dia surge uma nova vítima. Muitas ainda não se enxergaram na condição. Outras, se viram na qualidade e possuem medo de sair dela. O maior desafio atualmente, salvo melhor juízo, é que as mulheres possam saber quando estão sendo vítimas. O senso comum juntamente com o patriarcalismo, faz com que elas não se notem. Escarnecer homens com a Lei Maria da Penha? Sinceramente, não vejo. Mesmo porque, após a lavratura de boletim de ocorrências, com o processo que surgirá, haverá necessidade de todo o arcabouço probatório.           


O que tenho visto são estatísticas evidentes e gritantes de violência doméstica e familiar. O que tenho visto são os maiores números de crimes cometidos contra o gênero feminino. O que tenho visto são violências aumentarem contra as mulheres negras. O que tenho visto são mulheres celebridades, autoridades, anônimas e não anônimas, narrando episódios de violência doméstica e familiar a que foram submetidas.  E, derradeiramente, o que tenho visto são os números absurdos de feminicídios.           


Referido preceito veio para prevenir a tudo isso, e muito mais... Assim, sem brincadeiras absurdas e fora de hora: nem Mário, nem João, mas, sim, Lei Maria da Penha.
 
ROSANA LEITE ANTUNES DE BARROS é defensora pública estadual

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