Não deposite no seu filho(a) toda sua angústia, medo e incertezas do momento
É por causa do “colona”vírus
Há dois meses levava minha filha (3 anos) na escolinha e sempre no caminho de volta me dizia quem brigou com ela, quem mordeu e assim era nosso trajeto. Uma vez aconteceu um episódio curioso, cheguei na escola e me deparei com ela aos prantos, chorando de soluçar, na hora abaixei, dei-lhe um abraço e a professora me olhou e disse:
— Ela se desentendeu com a amiguinha e a mãe da amiga acabou de vir buscá-la e as duas começaram a chorar. Disse a professora.
Foi difícil conter as lágrimas dela, afinal não foi qualquer amiguinha, foi a melhor amiga. Aquela que diariamente lembra, finais de semana, quando vai comer, brincar, dormir, minha amiguinha para lá, minha amiguinha para cá e assim iam fortalecendo a amizade.
Veio a pandemia e precisei explicar a ela que não haveria mais aula, não encontraria mais a melhor amiga todos os dias pessoalmente, não se abraçariam, nem brincariam juntas no momento. Tão nova e precisou aprender o que é o coronavírus (um bichinho que morde né papai, por isso tem que usar máscara e ficar em casa).
No nosso bairro existe uma praça com escorregador, balanços e outros brinquedos, ali era parada obrigatória para ela brincar e se divertir. Atualmente ao passar de carro pela praça, ela olha pela janela e faz o mesmo pedido toda vez que passa:
— Papai, para nos brinquedos, papai, para nos brinquedos.
— Filha não pode ir lá por enquanto. Digo com o coração apertado.
— É por causa do “colona” vírus né papai. Diz ela.
Infelizmente tem dias que ela simplesmente chora e diz, mas eu quero papai. Novamente é de cortar o coração e lembro que também o lazer diário foi perdido, o espaço em que corria alegremente, o contato com os amigos, a visita à casa da vovó e as festinhas de aniversários que tanto gosta, tudo isso da noite para o dia, quantas perdas e ainda precisam suportar a impaciência dos adultos.
As perdas infantis são refletidas nos comportamentos agressivos, no dia em que passa chorosa, no momento em que abre a geladeira umas 10 vezes em menos de um minuto, no colo que pede a todo momento e nos abraços. São muitas perdas em tão pouco tempo e que lhes restam apenas aceitar, alguns com dificuldades, outros já aceitam a ponto de dizer quando ouve seu pedido negado para sair:
— É POR CAUSA DO “COLONA” VÍRUS NÉ PAPAI.
É de cortar o coração. O momento é difícil para nossos pequenos também, não deposite no seu filho(a) toda sua angústia, medo e incertezas do momento. Eles também perderam muita coisa, parem de diminuir o sofrimento das crianças por serem crianças.
Euller Sacramento é psicólogo e especialista em (re)conectar pais e filhos emocionalmente na Imaginare Clínica Integrada em Tangará da Serra-MT e realiza atendimento online a pais e adolescentes. Instagram @eullersacramento