Ser adulto é fácil, difícil mesmo é ser criança e tentar entender o que a gente não entende ou ainda não apreendeu
“Eu nem falei muito hoje né pai?”
Já passa da meia noite, enquanto ajeito as coisas na cozinha e a mala está pronta no quarto e minha esposa ainda finaliza as encomendas da semana no ateliê, ouço a frase acima com tom de culpa do ainda criança Enzo, de 6 anos. Lembro que tenho que me levantar antes do sol nascer, antes do Enzo e do resto da casa estar acordado.
Hoje depois de chegar em casa eu gritei com ele para baixar o volume da TV, gritei para ele ir para o banho, gritei para ele vir jantar, gritei para ele colocar uma camiseta e vir tomar o xarope, gritei e nem percebi, gritei e nem sei o porquê, só me dei conta agora, depois de ouvir, sem grito, sua frase seguida de um abraço apertado, retribui, fiz um carinho nos seus cabelos bagunçados e os baguncei ainda mais. Vamos deitar filho? Me conte como foi o seu dia.
Quanta bagunça, ser criança não é fácil, eles não entendem de rotina, de compromissos, de boletos, de tempo, para eles o tempo passa devagar, e a gente corre a sua volta, passos curtos frente aos nossos passos largos, esses dias me abaixei para segurar o Théo e ensaiar seus primeiros passos, e quando olhei para cima, tudo parece grande, de fato a responsabilidades depois de ser pai são enormes, ou é a gente que não sabe priorizar as coisas? E acha que com um grito as coisas vão se ajeitar.
As crianças não entendem porque não podem dormir todo final de semana na casa dos avós, nem ir brincar na casa das tias ou madrinha durante a semana, porque tomar banho todo dia? Lavar a cabeça? Porque não pode assistir seu desenho preferido o dia todo? Porque tem dever de casa? Porque tem que comer salada e porque todo dia não tem doce?
Não entendem ainda porque os primos moram longe, e ficam se perguntando porque meu pai viaja tanto, o que ele faz quando está longe, porque ele não fica mais tempo aqui, porque não brinca mais comigo... quiçá nós adultos que vez ou outra utilizamos a frase, “bom mesmo é quando éramos criança e não tínhamos preocupação”.
Hoje deitei preocupado em estar fazendo certo ou errado, preciso desacelerar, alguma coisa gritou aqui dentro, tudo a minha volta diminui, ser adulto é fácil, difícil mesmo é ser criança e tentar entender o que a gente não entende ou ainda não apreendeu, ele acabou de pegar no sono segurando a minha mão, e eu só queria ouvir ele mais um pouco, só mais um pouco.
Vai por mim, ser criança não é fácil. Se agora eu pudesse gritar alguma coisa seria: OUÇA SEU FILHO!
E você, porque grita?
Lévender Mattos
Tangaraense desde 2011. Usa a escrita em forma de crônicas e artigos como passatempo e terapia, inclusive este é o 68º texto publicado. Sonha em escrever um livro para que seus filhos leiam para os filhos deles. Idealizador da página @paiterapia com textos e fotos autorais. Acha a Paternidade incrível e a Patrícia Fernanda linda. Sextou.