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Entre rimas e versos: o universo de Pedro Canuto

Iolanda Garcia e Rodney Garcia 01/08/2019 Memória

Paraibano de Pombal, crescido no estado do Ceará, onde chegou em 1953.

Pedro Canuto

ENTRE RIMAS E VERSOS: O UNIVERSO DE PEDRO CANUTO

“Eu não sou velho. A velhice correu atrás de mim e me alcançou”.  Esse é o estilo de Pedro Canuto de Sousa, paraibano de Pombal, crescido no estado do Ceará, onde chegou  em 1953. Depois arribou para o estado do Paraná e trabalhou lidando com café durante dois anos, e ganhou dinheiro que, à época, daria  para comprar 117 vacas em seu estado de origem. Voltou para a terra natal, onde se casou com Josefa de Sousa Canuto, em 1962, e tiveram quatro filhos que deram sete netos. Na vida, nós precisamos ter amor. Precisamos ter harmonia. 


Ao falar sobre sua trajetória, entre uma rima e outra, seu Pedro buscou um quadro para mostrar foto de casamento, à qual fora apresentada com a seguinte trova: “vi muita vaca leiteira, vi muito boi Palabá/ Vi muitas moças bonita na porteira do currá”, para, em seguida arrematar: “Josefa é a dona do meu coração”.


Seu Pedro é católico e gosta de ouvir as lições bíblicas. “Eu aprendo muito ouvindo os outros, em especial, os ensinamentos bíblicos. Eu sei que os dez mandamentos se resumem em dois: ‘amar a Deus sobre todas as coisas e a teu próximo como a ti mesmo’. Vou falar três passagens que confirmam isso: primeiro Jesus disse ‘fazei o bem uns aos outros eu os faço’. O segundo, ‘faça para o outro o que quereis que eu te faça’ e o terceiro, ‘não queira para o outro aquilo que não quer para você’. Gosto de aprender as lições da Bíblia, ouvir e praticar”.


Seu Pedro adora o repente, poesia típica do Nordeste Brasileiro. Sua relação com as letras foi precária. Em seu relato, o pai contatou uma pessoa para ensiná-lo a ler, mas esta pessoa conhecia somente o alfabeto. Desta forma, em suas palavras, “eu aprendi ler quando tinha 12 anos. Meu pai pagou um professor 90 dias para me ensinar e aprendi fazer meu nome. O professor só sabia as 25 letras do alfabeto. E foi isso que me ensinou. Eu não aprendi a ler com os pontos e com as vírgulas, por isso, fica difícil de ler alguma coisa e entender rápido. Eu tenho 90 dias de ensino e 80 anos na escola da vida”.


Seu Pedro não aprendeu a escrever, mas garante ser muito bom em aritmética. Disse que, quando criança, ganhou do padrinho uma aritmética progressiva e lá encontrou um problema para o qual ele desenvolveu a seguinte análise: “Pergunta-se a uma professora: ‘quantos alunos a senhora tem?’. Ela respondeu: — Se eu tivesse outro tanto do que eu tenho, mais a metade e a quarta parte, eu teria 88 alunos.” Com esse desafio já fez várias pessoas ficarem pensando sobre a resposta. Ele encontrou a solução com uma regra que ele mesmo criou, porque, segundo ele, não aprendeu os números e as operações matemáticas em sala de aula, e lembra que o dia que falaram o problema, passou o dia pensando e só encontrou a solução na madrugada. Sabe calcular área e perímetro. 


Em relação à sua aprendizagem, o entrevistado destacou que, quando era pequeno, ouvia um tio ler poemas e poesias e, com isso, diferente dos demais, ele aprendeu de ouvido. Uma de suas habilidades é a memória de longa duração para versos, trovas e rimas. Com a memória auditiva, observando a sonância das palavras, com noção internalizada sobre estética, versou sobre sua intimidade com a poesia e o repente: 

Quando nasce uma criança 
Já traz seu futuro escrito, 
Uns é pra ser rico outros pobres, 
Uns tolos e outros peritos 
E não pode ser desfeito o que 
Jesus deixou dito.

Após o casamento, rumou para o Estado do Paraná, onde teve os quatro filhos. De lá, na década de 70, ficou sabendo que Tangará da Serra tinha café. E foi o gosto pelo café e a lida com a terra, que o trouxe para cá, onde reside. Inicialmente, instalou-se na região do Córrego das Pedras, onde permaneceu 19 anos. Além da facilidade e do conhecimento empírico com a lavoura cafeeira, relatou que os passeios nos finais de semana, quer sejam religiosos ou festivos, foram feitos com caronas oferecidas pelas pessoas que tinham caminhões. “A gente ia na missa, na festa no jogo ou no velório, aquele mundaréu de gente, encima de um caminhão”. 


Em decorrência de sua religiosidade e da juventude de seus filhos, fez a seguinte poesia para homenagear o grupo de jovens da Comunidade Córrego das Pedras: 


A juventude é amor
É fonte de alegria
Quando cumpre a honradez é uma joia de valia
É fruto que Deus deixou 
E o futuro algum dia
Os casais são árvores
Que algum fruto produz
Quem vive bem na sua vida tem luz
Mas quem vive na confusão
Vive na escuridão
Carregando madeira de cruz.
Aviso aos homens casados
Que não maltrate a mulher
Que o casal que vive mal
Tem parte com Lúcifer
Nesse mundo ele é desprezado
No outro, Deus não lhe quer.
Nos precisa de amor
Nos precisa de alegria
Nós precisamos é de paz
Nós precisamos de harmonia
Precisamos ser amados 
Nos precisa de amar
Que é pra junto chegar no trono da Santa Pia.

Encerrado o serviço de meeiro na Comunidade Córrego das Pedras, conseguiu “colocação” na Gleba Amor, onde trabalhou por sete anos, com o plantio, o cultivo e a colheita do café. Depois, veio para a cidade, onde, com a ajuda dos filhos, construiu duas casas. Não se adaptando à rotina urbana, relatou à prole que precisava voltar para lidar com a terra, pois ele não se sentia bem longe das plantas e dos animais. Atualmente, mora no Assentamento Vale do Sol I, onde cultiva feijão de corda, mandioca, goiaba; cria galinhas.


Recentemente, seu Pedro sofreu um acidente, e nos contou dizendo que ninguém morre antes da hora. Para este acidente, fez a seguinte poesia:

O tempo é quem manda tudo, 
Sem ele não há guarita, 
É o rico e é o pobre e coisa bem conhecida. 
O mundo é um livro aberto passando as folhas da vida. 
No livro da nossa vida tem página deliciosa, 
Como também tem capítulo de passagem perigosa. 
E tem vez que o vivente passa nas horas mais dificultosas
E sabe porque não morri? Quase morri.... 
Mas, Deus é governo infinito, 
Ele é o supremo que domina. 
Para no céu e na terra a sua presença é divina 
Tudo só acontece quando o mesmo determina.

 

A CURA PELAS PLANTAS

Seu Pedro disse que todos os anos faz a bateria de exames e que não tem nenhum problema de saúde. O faz porque o tempo exige cuidados com o corpo. Seu maior orgulho é afirmar que nunca precisou tomar remédio de farmácia e que, até hoje, não precisou ficar internado. Todo o seu tratamento de saúde é feito com folhas e raízes de plantas que ele mesmo prepara. Declara que a natureza é generosa e que “a gente só precisa saber de qual planta vem o remédio que a gente precisa”. Um particular em relação à devoção à homeopatia, ele reconhece a ciência e valoriza seus conhecimentos, embora, tenha, na natureza, encontrado os princípios ativos dos quais seu corpo precisou para pronto restabelecimento.


Foi conselheiro do Conselho Municipal de Saúde, representando o segmento dos trabalhadores rurais, função que exerceu por nove anos. Segundo ele, foi um espaço gratificante e preocupante. Gratificante porque pôde apresentar os anseios das comunidades rurais. Um dos fatores que o levou a se afastar do Conselho, foi o fato de que vinha da Comunidade Córrego das Pedras de bicicleta, a tardezinha, e tinha que fazer o mesmo percurso na manhã seguinte. Esse trajeto, entre ida e volta, é superior a 25 km. Em sua despedida, declarou: “Gente, sobre uma pergunta que fiz ao doutor e a resposta que ele me deu, eu digo o seguinte: 

Para ter a nossa saúde
Não é só tomar injeção
Nem também um comprimido
Ou outra medicação
Para ter a nossa saúde
É tomarmos uma atitude
Que se chama prevenção

Sindicato dos Trabalhadores rurais


Seu Pedro ficou por cinco mandatos, 15 anos, no conselho fiscal, na diretoria do Sindicato dos trabalhadores Rurais de Tangará da Serra. Orgulha-se de ter feito parte de um segmento que defende os direitos de seus associados. Falou com entusiasmo da luta que travou em defesa do direito a aposentadoria do trabalhador da trabalhadora rural. 

Quando o Rodney pediu licença para escrever a história em rimas e prosas, ele responde: “Eu estava nessa cadeira, pesando na minha terra, nas obras da natureza, onde o poder se encerra, agora vem um colega me fazendo grande guerra”. Em seguida, com um sorriso na face, e olhar atento, ouviu o seguinte verso prosa:


CANUTO: O SÁBIO
Com licença, uma história vou lhe contar
Nada de perder tempo na internet a procurar
Falo de um matuto que de Pombal ganhou asas
Fez caminhos, arribou gado
De mente livre, seu coração Josefa cativou
Entre uma e outra rima,
Como era sua sina
O verbo os uniu
Fundindo sonho, para o mundo alçou
Nesta terra pousou de onde não quer levantar
Entre uma labuta e outra
Ente xicaras e cafés de seu suor
Da terra e por ela lutou
Em nome do filho
Seu sonho realizou
Em esperança entre vales o sol encontrou
Filho da terra com  terra plantou
Entre rimas ricas e cadentes
É sábio, 
É expoente
Quase sempre contente
Matemática é seu forte
Problema não lhe mete medo
Entre linhas e dedos 
A aritmética não é sorte
É pensamento em ação
Dessas coisas complexas
Nada  assusta mais que o não  arroz e o não feijão
Mas essa sina sua porta não tocou
Com as bênçãos do criador
A terra por suas mãos cultivadas frutificou
De corda em feijão
Frangos e galinhas pelo quintal passeiam
Se da semente que brota da terra
Será dela o milagre da cura
Da ciência não duvida
Com ervas e raízes 
Cura suas feridas e cicatrizes.
 Ao criador agradece
Celebra com grande alegria
As três pessoas que o habitam:
O menino que sonhava e que tudo podia
O jovem ousado que a fortuna perseguiu
O homem construído em  entretantos
Trilhando com retidão
Ao ritmo do coração
Entre crenças e esperanças,
De alma leve
Grande, sempre criança
Tem na ponta da língua 
Uma rima
Uma oração.



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