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Um filho adotivo do solo de Tangará da Serra

Paulo Desidério / Redação DS 17/10/2019 Memória

Em 13 de setembro daquele ano, por volta das 16h, a família e um grupo com cerca de 16 pessoas chegava ao município

Antônio Vanderlei Fernandes de Souza

Um filho adotivo do solo de Tangará da Serra

Foi no ano de 1974 que o potiguar nascido em Natal, Antônio Vanderlei Fernandes de Souza, casado com a mineira natural de São Francisco de Sales, Iolanda Gonçalves de Urzedo Souza, escolheram Tangará da Serra para viver. Casados em 1971, o casal tinha três filhos à época (Cleide, Cleiton e Aldenis). 


A trabalho, na cidade de São Simão-GO, Antônio ouviu amigos falarem sobre o lugar até então escondido nos confins do Mato Grosso, com uma propaganda convincente sobre o solo fértil. Talvez, por trabalhar justamente com isso, Antônio ficou ainda mais interessado e trouxe a família para onde um de seus amigos já estava àquela altura.


“Aquilo entrou na minha cabeça. Eu era empregado na época, trabalhava e falei para o meu povo ‘vamos em Tangará da Serra porque o Agenor Borges mora lá e conta que tudo que se planta dá e as terras são baratinhas’”, relata, ao lembrar que a família havia perdido uma fazenda para o financiamento e que a vinda para Tangará da Serra seria a chave para o recomeço.


Em 13 de setembro daquele ano, por volta das 16h, a família e um grupo com cerca de 16 pessoas chegava ao município pela rua São Paulo, hoje no centro. Por aqui já morava o pai de Iolanda e a família deu sequência à vida, com o desbravador Antônio trabalhando no campo, impressionado com a enorme quantidade de chuva que caía na cidade.


“Chegando aqui fomos encarar tudo de novo na mão, na raça. Andava por esses sítios todos e chuva era todo dia, companheiro. Nossa Senhora! (...) Só andava de camiseta e calção porque não enxugavam as outras roupas. E assim viemos, crescendo”, pontuou.


O distrito que pertencia à Barra do Bugres queria virar cidade. Assim, o apoio dos que aqui viviam era indispensável. Antônio e a família assinaram o ‘livro’ que aglutinava apoio para que o sonho de ver Tangará da Serra como município se realizasse.  


“Toda a nossa família assinou. Sou um pioneiro e ajudei a fundar Tangará. Essa história também tem outros capítulos por aqui. Já tinha gente, mas chegamos em 74, a população não era grande. (...) Mas nós nos sentimos muito bem aqui, graças a Deus”, conta.


Com o desenvolvimento, Tangará da Serra foi abrindo caminhos. Antônio foi o primeiro operador de máquinas da cidade, no advento das lavouras mecanizadas. Ele conta que já trabalhou em um trecho que compreende desde o Bigode, próximo à Serra Tapirapuã, até a Avenida Brasil.


“Em plena avenida parava todo mundo para ver aquela máquina zerinho e eu era o piloto. Colhia quadras de arroz para aqui, para ali, o maquinário era muito pouco. Era Tangará iniciando a vida de uma Tangará que hoje se encontra com essa população”, recorda.


Motorista, maquinista e até plantador. Antônio trouxe o que aprendeu em Minas Gerais e Goiás para Tangará da Serra, ajudando assim a si mesmo, aos familiares e aos outros. 


“Os daqui mesmo vinham a mim, procurando como é que fazia os plantios. Ajudei muita gente aqui”, destacou.


Abrir caminhos, termo já utilizado neste texto foi algo que Antônio fez por Tangará da Serra. Algumas estradas que se tornaram ruas e avenidas foram abertas por iniciativa dele. A Avenida da Paz e a Avenida Paraná, uma das quatro vias diagonais do quadrante central no mapa da cidade, são algumas delas. 


“Na época a dona Thaís (Barbosa) já era prefeita. Falei com ela e seu Ari (Torres) que a gente tinha nossa lavoura e que na avenida era um atoleiro que você não passava. Tombava até caminhão. Andei a pé, entrei na mata e vi que dava para passar com trator. Falei com os meus patrões que eu fazia a estrada com o trator, plainava e que era para a dona Thaís e seu Ari cascalhar. Só nisso, economizamos uns 10 quilômetros de estrada”, destaca, ao lembrar que depois disso, nasceram áreas de escape para os atoleiros. 


Caminhoneiro aposentado, Antônio também foi muito importante para a criação da Associação dos Caminhoneiros de Tangará da Serra, sendo um dos pleiteadores da causa pelo terreno da sede.


Após residir no que hoje é o centro da cidade, na Linha 11 e na região onde atualmente está localizada a Feira do Produtor, chamada pelos mais antigos de ‘Vila Mineira’, Iolanda e Antônio construíram sua história junto dos filhos e deram a eles Cleber, o irmão caçula, único fruto da relação nascido em Tangará da Serra. 


“Tudo o que adquirimos foi dessa forma. Ele trabalhando fora e eu cuidando dos filhos em casa”, disse Iolanda.


Atualmente, Iolanda e Antônio têm 68 anos. Ambos residem em uma propriedade rural na região Pecuama e são avós de oito netos. 


“Lá é o nosso cantinho. Hoje eu me sinto muito bem em Tangará, minha mãe pelejou para eu ir para Juína, mas eu falava que não ia porque não me achava lá. Em Tangará eu me acho”, completa Iolanda.


A inesgotável paixão pelo esporte

Como todo filho de Deus, Antônio trabalhava bastante, mas também tinha seu momento de lazer. O espaço em que isso acontecia era o campo de futebol.

Praticante do futebol amador, Antônio, que é palmeirense, foi um dos criadores da Liga Esportiva e da Secretaria Municipal de Esportes de Tangará da Serra.  


Reserva, Serraria, Água Branca, Operário, foram algumas das equipes as quais Antônio defendeu as cores. Ponta-esquerda e centro-avante eram suas posições preferidas. O hoje ex-futebolista amador declarou que se garantia dentro das quatro linhas.


“Teve um campeonato que eu parei como artilheiro. Dentro de 19 partidas quando eu jogava pela Água Branca, incluindo amistoso e campeonato, eu fiz 45 gols. Uma vez eu acabei de assinar a súmula, entrei e já fiz o gol da vitória em cima do União. Hoje eu vejo os cabras entrar com 30, 40 segundos e fazer um gol, mas eu também já fiz isso. Ninguém tinha um celular ou uma câmera para filmar”, contou, aos risos.


No tempo em que nem veículo adequado para transportar os times, todos se amontoavam e apareciam nos gramados, superando o obstáculo que fosse pelos momentos de diversão e, claro, competição.


“Com 28 times nós fizemos o primeiro torneio aqui. Tinha as rodadas, que nem campeonato brasileiro, na Gleba Aurora, Joaquim do Boche, Água Branca, e assim ia fazendo o campeonato. Aqui na cidade tinha time demais. Jogava a parte rural para lá e quem classificava vinha jogar com os classificados da cidade”, afirma, ao lembrar com saudade os jogos que lotavam de gente à beira dos campos.


Diante de tamanha paixão pelo esporte, a esposa Iolanda brinca que perdia o marido para o futebol. 


“Tinha dia que ele chegava correndo, tomava banho e tchau. 22 quilômetros e ele vinha a pé para jogar bola. Era fanático ou não era?”, disse, bem humorada. 
Infelizmente, uma lesão no joelho interrompeu a história de Antônio nos gramados de Tangará da Serra. 


“Fui vítima numa decisão, arrancaram meu joelho fora em 81”, lamentou. 


Mesmo sem poder jogar, o pioneiro seguiu acompanhando o futebol da cidade e revelou orgulho por ter sido um dos precursores do esporte tangaraense.


“Das diretorias que regem o município, nós temos muito conhecimento com essas pessoas. É bom encontrar essas pessoas”, concluiu.



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