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Filhos Órfãos de Pai Vivo

Euller Sacramento 14/08/2024 Artigos

É trágico e contraditório que, em meio aos desafios complexos da paternidade, alguns pais resistam em demonstrar amor, esfriando a relação com seus filhos

Filhos Órfãos de Pai Vivo

No ser humano, poucas feridas são tão profundas quanto aquelas deixadas por pais ausentes. Não falo aqui da ausência física, mas da ausência emocional, daquelas palavras não ditas, dos abraços que nunca se concretizaram, dos “eu te amo” engolidos pelo orgulho ou pelo medo de parecer fraco. Em minha trajetória clínica, já me deparei com muitos homens que, ao serem confrontados com a necessidade de mostrar afeto aos filhos, reagiram com resistência, e até mesmo com agressividade.

Esses pais, que deveriam ser amor, muitas vezes se tornam muros intransponíveis. Ouvi de muitos deles palavras duras, impregnadas de raiva e incompreensão: “Seu moleque!”, “Quem você pensa que é?”, “Você é uma geração nutella”, entre tantas outras frases. Já vi pais levantarem abruptamente, interrompendo a sessão, e saírem porta afora dizendo: “Nunca mais volto aqui!”, simplesmente porque sugeri que dissessem “eu te amo” ou que abraçassem mais os seus filhos.

É trágico e contraditório que, em meio aos desafios complexos da paternidade, alguns pais resistam em demonstrar amor, esfriando a relação com seus filhos. Esses filhos se tornam órfãos de pais vivos, carregando a dor de um amor negado.

A figura paterna, em sua essência, deveria ser aquela que ensina, guia, e acolhe. Mas o que acontece quando essa figura se transforma em algo distante, frio e inatingível? O filho, perdido na indiferença, busca por migalhas de afeto que muitas vezes nunca chegam. Cresce com um vazio que tenta preencher de maneiras variadas, mas que persiste, ecoando pela vida adulta.

E então, neste cenário, me pergunto: por que é tão difícil para alguns pais demonstrar afeto? Seria o medo de parecer vulnerável? Ou talvez a crença de que amor é sinônimo de fraqueza? Talvez, em alguns casos, seja simplesmente a reprodução de um padrão que vem de gerações, onde o afeto era visto como algo supérfluo, desnecessário, ou até mesmo prejudicial à masculinidade.

Porque, no final das contas, o que todos nós queremos é amar e ser amados. E, para isso, precisamos estar dispostos a derrubar os muros que nos separam, a abrir nossos corações e a dizer, sem medo ou vergonha, “EU TE AMO”. Essa, talvez, seja a maior lição que um pai pode ensinar a seu filho. E, ao fazê-lo, ele deixará de ser apenas um pai vivo, para se tornar um pai presente. E isso, leitores, faz toda a diferença.


Euller Sacramento é Psicólogo Clínico
Insta: @eullersacramento

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