Em 1962, José Diogo chegou a Tangará da Serra
Nascido em 12 de janeiro de 1939, no interior do estado de São Paulo, seu José Diogo dos Santos carrega nas mãos calejadas e na voz arredia a história viva de Tangará da Serra. Filho de Sebastião Augusto e Dejanira Maria de Jesus, ele veio de família simples, criada no batente da roça.
“Eu trabalhava desde os 9 anos de idade, junto com minha mãe. A gente foi nascido e criado na roça, trabalhando com café. Naquela época, era tudo no braço, não tinha trator, não tinha nada”,
recorda.
A vida era dura. O pagamento vinha em mantimento, o dinheiro quase não aparecia.
“A gente comprava fiado na venda, o patrão anotava tudo no caderno, e o dinheiro mesmo, era só no fim da safra. Era uma mesada, e olhe lá”.
Em 1962, José Diogo chegou a Tangará da Serra. Naquele tempo, o que hoje é uma das cidades mais pujantes de Mato Grosso, era apenas um chapadão inóspito e triste, marrom e ofegante.
“Não tinha nada, rapaz. Era só mato. A gente derrubava o mato em julho, queimava, limpava e plantava arroz, feijão e milho. Tudo era no braço. Depois veio o café, bem depois, antes era arroz. Café veio com os paulistas, mas não deu muito certo. Tangará era só o nome e a coragem do povo”.
Zé Diogo veio trazido pela família Corsino, gente que acreditou nesse chão e tem nome de rua na cidade.
“Vieram primeiro, depois me chamaram. Vim de carona, de ônibus, no meio do barro. De Cuiabá pra cá era uma luta, estrada de chão, só barro, serra, pedra, era serra brava. Era dois, três dias de viagem de Cuiabá pra cá”.
“A Serra (Tapirapuã) hoje é tudo asfalto. Naquela época, a gente chegava e ficar dois a três dias em Nova Olímpia esperando pra subir a serra. Era só chão. Tinha que vim de carona. Hoje o trajeto é curto, mas antes era diferente, tinha um monte de curva, de chão, de pedra e barro”,
diz.
Foi também na poeira das mudanças que ele encontrou o amor.
“Conheci a Aurora na mudança, rapaz. Eu vinha num caminhão, ela vinha em outro. A gente foi se encontrando, se olhando, e acabou casando. Foi amor de mudança”.
Com Aurora teve seus primeiros filhos — Dejanira, Raquel e Odete. Mas a vida foi dura:
“Em 1965, ela engravidou de novo e ficou doente. Tivemos que ir pra Cuiabá de jipe, estrada ruim, barro pra todo lado. Infelizmente, ela faleceu lá. Foi uma dor grande, que nunca passa”.
Aurora entrou em trabalho de parto — esperava gêmeos.
Como o parto normal não pôde ser feito pela parteira, seu José decidiu seguir viagem até Cuiabá, na esperança de que lá fosse possível realizar uma cesariana.
A estrada era longa, e o jipe acabou atolando no caminho.
Aurora não resistiu. As crianças já haviam partido dentro dela, e ela se foi também, no meio da viagem — entre o pó da estrada e o desespero de quem carrega amor e perda no mesmo colo.
Depois de oito anos sozinho, casou-se novamente e teve mais três filhos: Mirian, Marcos e Débora. Hoje, são seis filhos, netos, bisnetos e até tataraneta espalhando o legado do pioneiro.
Homem trabalhador, José Diogo ajudou a construir Tangará não só com o enxadão, mas com o talento das mãos.
“Eu fui tapeceiro. Trabalhei muito tempo com colchão de capim, colchão de mola, sofá, tudo feito na mão. Montei a Colchões Alvorada, ali mesmo na avenida. Tinha época que eu pagava cinco, seis empregados. Fabricava colchão, reformava sofá. Era tudo artesanal. Pagava os funcionários por 20 dias, mas era 20 dias que levava pro material chegar de São Paulo até aqui. Mas eu pagava eles, mesmo assim”.
“Fiz mais de 10 mil colchões de capim. Era capim do mato mesmo. Era o que tinha. Depois aprendi a fazer de espuma e mola”,
conta.
Seu José lembra também dos tempos difíceis da febre amarela, no início dos anos 70.
“Era um caixão atrás do outro por essa Avenida Brasil. Era gente morrendo pra todo lado. Diziam que era febre amarela, outros falavam que era veneno. A verdade é que foi um tempo triste, mas o povo daqui sempre foi guerreiro. A gente enterrava chorando, mas com fé”.
Mesmo com o sofrimento, ele nunca pensou em ir embora.
“Já me ofereceram casa em outro estado, salário bom, tudo pra ir embora. Eu disse: ‘Pode me dar casa e dois salários, que eu não troco Tangará por nada’. Aqui é minha vida”.
Seu José acompanhou tudo: da transformação do povoado em distrito, da energia elétrica chegando com José Amando e Dona Thais, aos primeiros prefeitos (dona Thais) e deputados.
“Eu conheci todos. Votei neles. Amando, Thaís, foi gente boa. Cada um deixou sua marca. Antes era energia de motor, mas aí seu Amando trouxe energia elétrica”.
E quando o assunto é o presente, ele não esconde o orgulho:
“O Vander é um dos melhores prefeitos que a gente já teve e eu falo isso com mais de 60 anos morando aqui”.
Mas ele não fala só de política. Fala de gratidão.
“Quem faz Tangará crescer é o povo. Cada tijolo, cada casa, cada loja, tem a mão de um trabalhador que acreditou nesse chão. Tangará foi construída com força e machado”.
Hoje, aos 86 anos, seu José mora no bairro Shangri-lá, onde vive há mais de 35 anos.
“Se eu tivesse que dar outro nome pra Tangará, eu chamava de cidade de Shangri-lá. Eu gosto demais daqui. Criei meus filhos aqui, vi o bairro crescer. É o meu cantinho de paz”.
Do quintal de casa, ele vê a cidade que antes era tudo mato.
“Hoje é bonito demais. A gente olha e nem acredita que aqui já foi só capim e formiga”.
O futuro que ele sonhou.
“Eu olho pra Tangará e vejo um milagre”,
diz com os olhos marejados.
“Quando eu cheguei aqui, não tinha nada. Hoje tem escola, hospital, avenida, prédio, asfalto, luz em todo canto. Tangará é cidade grande, é orgulho do Brasil”.
E ele completa:
“Se eu morrer hoje, morro feliz. Porque vi essa cidade nascer, crescer e virar tudo isso. Tangará da Serra é o amor da minha vida”.
Seu José Diogo dos Santos é mais do que um morador antigo — é um capítulo vivo da história de Tangará da Serra.
Entre o suor da enxada e o som da sanfona nos bailes de chão batido comuns naquela época, ele ajudou a transformar o impossível em realidade.
E deixa o recado final, com voz mansa e olhar de quem já viu de tudo:
“Pioneiro não é quem chegou primeiro. É quem ficou pra fazer a cidade crescer e acontecer”.