Muitos carregam cruzes invisíveis, caladas
Lembro bem. Eu tinha apenas 14 anos quando resolvi escutar o chamado de Deus. Entrei para o seminário do Cristo Rei, em Várzea Grande, com o coração cheio de fé e expectativa. Era o início dos anos 2000. Foram três anos intensos, formativos e desafiadores. E, como toda experiência profunda, há momentos que o tempo não apaga. Um deles aconteceu na Quaresma de 2004.
Naquela época, o reitor do seminário era o Padre Paulo Ricardo de Azevedo — hoje conhecido por muitos, mas para mim, antes de tudo, foi mestre, guia e formador. E foi sob sua orientação que, naquela quaresma, assistimos a um filme que mexeu com nossas estruturas: “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson.
Era um filme duro, cru, visceral. A dor de Jesus não era simbolizada — era sentida. Cada chibatada, cada queda, cada lágrima de Maria parecia nos atravessar também. Não era só cinema. Era um chamado à consciência.
Lembro da formação que tivemos após o filme, guiada pelo Pe Paulo. Ele não falou apenas do sofrimento físico de Jesus, mas do abandono, da solidão, da entrega total. Ele dizia algo que carrego até hoje:
“A cruz não é só dor. A cruz é escolha. É amor até o fim.”
E hoje, tantos anos depois, quando celebramos mais uma Páscoa, essa memória voltou com força. Porque a ressurreição só tem sentido quando compreendemos o peso da cruz. Celebrar a Páscoa é reconhecer que houve dor, abandono, silêncio... mas também renascimento, luz e recomeço.
Vivemos tempos de ansiedade, medo e pressa. Muitos carregam cruzes invisíveis, caladas. E às vezes, tudo o que precisam é lembrar que, mesmo após a sexta-feira da dor, sempre chega o domingo da ressurreição. A vida pode ser reerguida. A fé pode ser reacendida. O amor pode ressuscitar.
Enquanto escrevo sobre a cruz, sobre a entrega e sobre esse amor que insiste em permanecer mesmo diante da dor, me vem à mente uma canção que marcou profundamente minha fé: “Tarde Te Amei”, da Irmã Kelly Patrícia — inspirada nas palavras de Santo Agostinho.
“Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova... tarde te amei.”
É o lamento de quem só percebe a grandeza do amor divino depois de ter procurado sentido em tantos outros lugares.
Mas também é consolo: porque mesmo que chegue tarde, o amor de Deus nunca fecha as portas. Ele espera. Ele permanece. Ele ressuscita.
Que essa Páscoa nos lembre: nunca é tarde quando se trata de amar… e de deixar-se ser amado.
Euller Sacramento é Psicólogo Clínico.
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