A psicologia nos ensina que um homem saudável não é aquele que nega sua vulnerabilidade, mas o que consegue integrá-la
Nos últimos anos, um movimento voltado exclusivamente para homens tem ganhado força no Brasil: o Legendários. Criado originalmente na Guatemala em 2015 e trazido para cá em 2017, o projeto propõe um resgate da masculinidade através de um retiro de 72 horas em ambiente natural, com provas físicas, exercícios de autossuperação e momentos de reflexão espiritual. O objetivo declarado é “forjar caráter” e “restaurar a configuração original do homem”, tendo como principal inspiração a figura de Jesus Cristo, apresentado como o Legendário número 01, modelo máximo de liderança e força.
Durante o encontro, os participantes são convidados a se afastar de todas as distrações do cotidiano — como tecnologia, trabalho e rotina — para enfrentar desafios que testam seu corpo, mente e fé. A ideia central é que, em algum momento da história, o homem teria se afastado de sua verdadeira natureza e, por isso, precisa ser moldado novamente.
Essa proposta, à primeira vista, pode parecer apenas uma iniciativa de fortalecimento pessoal. Buscar autoconhecimento é sempre necessário. No entanto, surge uma pergunta importante: que tipo de masculinidade estão tentando resgatar?
Se o homem é forjado apenas na dureza, na liderança rígida e na resistência à dor, onde ficam o cuidado, a escuta, a emoção? Quantos homens que conhecemos carregam, no silêncio, a dor de ter que ser fortes o tempo todo, sem espaço para a fragilidade que também faz parte da condição humana?
A psicologia nos ensina que um homem saudável não é aquele que nega sua vulnerabilidade, mas o que consegue integrá-la. Carl Jung, por exemplo, dizia que todo homem carrega em si aspectos do feminino — a capacidade de sentir, acolher, emocionar-se. Negar essas dimensões pode gerar isolamento, solidão e sofrimento silencioso.
Ser forte é importante. Mas ser inteiro é ainda mais essencial. Um homem que pode ser ao mesmo tempo corajoso e sensível, líder e cuidador, torna-se mais livre — para si mesmo e para aqueles que ama.
Este é o primeiro de três artigos da série “O homem em conflito: entre a força e o silêncio”, publicada semanalmente nesta coluna.
No próximo texto, vamos refletir sobre a cobrança silenciosa que tantos homens sentem para provar sua masculinidade — e como isso impacta suas vidas, suas famílias e sua saúde emocional.