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O Caso Daniel Alves e o desrespeito contra as Mulheres

Regiane Freire 25/03/2024 Artigos

Esta semana, a justiça espanhola aceitou seu pedido de liberdade provisória

O Caso Daniel Alves e o desrespeito contra as Mulheres 

Um mês após a sentença que condenou o jogador Daniel Alves a quatro anos e meio de prisão pelo crime de agressão sexual por estuprar uma mulher em uma boate em Barcelona, esta semana, a justiça espanhola aceitou seu pedido de liberdade provisória, concedendo o direito a aguardar a sentença definitiva em liberdade, mediante pagamento de fiança de 1 milhão de euros.

Ao analisar a escolha dos magistrados por acatar o pedido de liberdade mediante pagamento, após ter negado várias vezes o mesmo pedido durante o processo, qual a mensagem que esta decisão passa a sociedade? Que a liberdade tem seu preço. Que o problema não é a violência sexual, mas é uma questão de dinheiro.

Pessoas com dinheiro para pagar fiança, que contam com apoio de seus “parças”, têm certeza de que a impunidade existe em qualquer país, e que eles estão legitimados a continuar violentando mulheres, e que nada, nem a justiça, fará algo a respeito. No caso, a rede de apoio masculina se mostrou mais uma vez eficiente.

Em crimes que envolvem figuras famosas, a sociedade espera que a punição do autor do crime, sirva como exemplo a inibir outras pessoas a cometerem violência de gênero. Mas neste caso, onde o autor do crime ficará livre, a sensação é de que ainda teremos longo caminho para que a punição chegue até os poderosos.

Diante desse cenário, o Brasil se mostra cada vez mais violento. Em 2022, registrou o maior número de casos de estupros – considerando também estupros de vulneráveis. Foram 74.930 vítimas, cerca de 6.244 casos por mês, 205 registros do crime por dia.[1] Os noticiários mostram todos os dias casos de violência contra a mulher. Vivemos em constante misoginia. As vítimas não se sentem seguras a denunciar, pois, além de enfrentar episódio da violência, precisam lhe dar com opressões, repressão e silenciamento. Julgamentos que sempre acabam para o lado moralmente condenável da mulher, onde a vítima passa a ser culpada do crime que sofreu.

Dessa forma, o direito de liberdade do agressor, mediante pagamento de fiança, reforça a ideia de que é inútil denunciar. Ainda mais quando se tem dinheiro.

Convém lembrar, quantas mulheres passaram por episódios de importunação sexual, violência e quantos agressores foram punidos? A impunidade incentiva a violência. Enquanto a justiça aceitar dinheiro de criminosos, só reforça a prática de outros crimes. E mulheres continuarão desestimuladas a denunciar abusos sexuais, principalmente quando o agressor é famoso ou tem poder aquisitivo.

Esse tipo de decisão é uma derrota não apenas da vítima, mas de todas nós. O caso Daniel reforça a cultura do crime contra as mulheres, a crença de que um indivíduo poderoso controle outros por meio de várias forças. É o reforço do pensamento sexista, à dominação masculina, como cita a autora Bell Hooks, em sua obra “O Feminismo é para Todo Mundo”: “Até que desaprendam o pensamento sexista que diz que eles têm direito de comandar as mulheres de qualquer forma, a violência de homens contra mulheres continuará sendo norma.”


Regiane Freire é advogada membro da Comissão de Direito Civil e Processo Civil da OAB/MT

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