Diário da Serra
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De passo em passo: construtor de sonhos

Iolanda Garcia / Rodney Garcia 26/10/2018 Memória

No auge de seu quase centenário, o senhor Juca Trettel encontra-se completamente lúcido

Memória

Eixo sudeste sul: o moço inquieto

Seu Juca Trettel, como é conhecido José Trettel, noventa anos, em dezoito de julho. Natural de Assis, é um dos muitos paulistas que deixaram sua marca na consolidação de Tangará da Serra como polo regional de serviços. Agricultor, pecuarista e comerciante, católico fervoroso, pai de dez filhos, transitou o eixo sudeste-sul até ao centro-oeste, onde fixou residência em 1975.


Em 1940, com doze anos de idade, seu Juca acompanhou os pais, Francisco Trettel e Maria Deodora Dallbem, para a cidade de Cornélio Procópio – PR, onde se dedicou ao cultivo do café, à lavoura branca e à criação de gado. Aos dezoito, em 1946, seguiram Para Maringá – PR, onde adquiriam uma pequena propriedade. Nesta região, as diversões, segundo seu relato, consistiam em festas, bailes e quermesses em comunidades circunvizinhas. Em uma dessas festanças, conheceu Maria da Silva, que, em 1952, viria a ser a Senhora Trettel. Deste enlace em solo paranaense nasceram dez filhos, três in memorian.  


Sem precisar data, seu José Trettel, já com filho, o Juraci, e a esposa, acompanhando os pais, mudou-se para uma propriedade rural entre as cidades de Cianorte - PR e São Tomé – PR, onde, entre as lidas com a terra, conceberam sete filhos. O que segundo seu Juca Trettel, “foram as melhores coisas que Deus me deu”. Nesta localidade, a família morou por nove anos. 


Com óbito paterno, a propriedade foi vendida, a herança distribuída entre os irmãos e, com sua parte, o senhor José Trettel comprou um sítio de dez alqueires, nas proximidades de Umuarama – PR, ocupando a terra com o cultivo de café e a criação de gado. Depois de estruturada a propriedade, vendeu-a e comprou outra de onze alqueires, sem nenhuma infraestrutura. “Peguei uma terra crua, com tudo por fazer. Nem casa tinha. Fizemos a casa. Colocamos a família dentro. Fizemos a tulha, que alguns chamam de paiol, para guardar as ferramentas, as sementes, os insumos e os animais, quando esfriava muito. Fizemos o chiqueiro para colocar os porcos; o galinheiro; o curral... os piquetes... Enfim, tudo para que o sítio ficasse do meu jeito.” Relembra, entre risos. 


Terra dos sonhos e seus colaboradores

Estruturada e produzindo, a pequena propriedade foi vendida e, em julho de 1975, os pertences e a família foram colocados em um caminhão e rumaram para Tangará da Terra. Ficaram sabendo que “ em Tangará existia muita terra boa e barata, se comparada aos custos do Paraná”. Segundo sua filha, Matildes Trettel.


Para além do olhar filial, seu Juca relata que  “o compadre Batista me convidou para conhecer as terras em Mato Grosso, na região de Tangará da Serra.  Veio eu e  Jura no Gurgel e o compadre Batista e o Zezinho vieram no Corcel. Toda essa viagem para conhecer as terras nessa região. Passamos uma noite e um dia em Barra do Bugres, onde observamos algumas propriedades; a terra não nos agradou. Seguimos viagem para Tangará da Serra. Aqui tinha um conhecido, o Vicente Gouveia, que nos falou de uma terra na região da Água Branca. Como já era depois do almoço, no final de semana, chegamos ao distrito de São Joaquim, popular Joaquim do Boche, onde passamos a tarde  à beira do campo, conversando com pessoas da região. Retornamos para Tangará e, no dia seguinte, rumamos para Água Branca. Olhamos as terras. Gostamos. Juntamente com meu irmão e meu cunhado, seguimos para São José do Rio Claro para ver outras possibilidades. Chegando lá, eu não gostei do lugar. Desta feita, optamos pela terra na comunidade Água Branca”, conta.


Em sua propriedade, seu Juca se dedicou ao cultivo do café, do arroz, do feijão e do milho, e da criação de gado. Para tanto, “construí  dez casas de madeira, cobertas de telha, assoalhadas, com água encanada, trazida pela roda d’água,  para acolher os meeiros e parceleiros que trabalharam comigo na derrubada da mata, na queimada, no encoivaramento, no plantio e na colheita. Como eu já morei em terra dos outros, sei como é difícil essa vida. Então, além da casa, cada trabalhador podia criar sua vaquinha, seu cavalo, sem custo nenhum. O leite, a gente dava”. Destacou que, além da fartura das lavouras de arroz, milho e feijão, o café também se mostrou rentável. “Trabalhando comigo, ganharam dinheiro suficiente para comprar terra nesses municípios e se estabelecerem como sitiantes. Essa é uma das muitas realizações que esta terra me proporcionou: ajudar a melhorar a qualidade de vida das famílias que trabalhou comigo”.


Na comunidade Água Branca, seu Juca Trettel  ajudou a construir a escolinha, onde os filhos de colonos estudavam até a quarta série; a Igreja católica; o salão de festas e os espaços para o lazer, como, por exemplo, o campo de futebol. Implantou uma  máquina de beneficiamento de arroz e uma venda (armazém). Patrocinou torneios de futebol.


Arroz Tio Juca: compra e venda de cereais

Em 1977, decidiu ampliar os negócios da família. Comprou e montou máquina de beneficiamento de arroz na Vila São Pedro. “Em 1981, meus filhos Juraci e Antonio Trettel continuaram com o negócio da máquina de arroz: comprando, beneficiando, e comercializando o arroz “Tio Juca”. A empresa encerrou suas atividades em 2010. Entre os anos de 1981 a 1989, compraram, beneficiaram e venderam café cru. Foram dois empreendimentos na área de beneficiamento de grãos. Segundo seu Juca, “esse trabalho foi gratificante, mas, com a diminuição da produção agrícola na região, para gente, ficava muito caro buscar arroz, feijão e café fora para processar aqui. Ai, os meninos entenderam que não dava mais tocar, encerraram o negócio, e dedicaram à pecuária”.


Um pé no campo e outro na cidade

Em 1985, seu Juca vendeu a terra na Comunidade Água Branca, e fixou residência no perímetro urbano, nas proximidades da feira municipal;  comprou um sítio na Comunidade do Córrego Pedras, onde cria gado de corte. Possui uma chácara nas proximidades do Comando Regional da Polícia Militar, onde está o gado leiteiro. Diariamente, seu José Trettel vai ao sítio ver o gado, andar a cavalo, correr cerca. Em seus termos, “Eu cresci trabalhando, e ainda consigo fazer um monte de coisa. Então, tratar dos animais – galinha, porco, gado, cavalo – montar a cavalo, ver se não tem bezerro machucado ou bichado, cuidar de uma planta, ver se a cerca não está quebrada, fazem parte do meu dia-a-dia. Isso não me cansa; é o que eu gosto de fazer.”


Entre uma mudança e outra e a lida com a terra, seu Juca Trettel não descuidou do ensino escolar dos filhos. “Naquele tempo, escola não era coisa fácil. A gente se preocupava em ensinar os filhos a serem honestos, trabalhadores e solidários. Era importante que eles aprendessem algo além da terra. Nem todos seguiram o caminho da universidade. Apenas minha filha Matildes formou em pedagogia, virou professora e fez mestrado. Meus filhos, por exemplo, saiam da Água Branca, em 1975, todas as noites para estudar no distrito de Progresso; eles queriam concluir o segundo grau. Trabalhando durante o dia na lavoura, andando mais de 20 km para estudar à noite, escolheram outro caminho. Mas, com a graça de Deus, meus filhos aprenderam com os ensinamentos da mãe, do pai, da igreja, dos amigos e do mundo, e posso dizer que são todos realizados com os caminhos que seguiram”.


Desta forma 

No auge de seu quase centenário, o senhor Juca Trettel encontra-se completamente lúcido, usando marca-passo e lutando para controlar a hipertensão; passeia, cuida de animais e das plantações. Celebra a alegria de ter dezoito netos e onze bisnetos. Foi agraciado com honraria concedida pelo legislativo municipal no ano de 2008, o que considerou importante. Mas, segundo ele, “o reconhecimento vem dos amigos que fizemos por onde passamos, das comunidades que ajudamos e do zelo pelo nome de nossa família, ao longo de quarenta e três anos dedicados a esta terra, a esta gente”.
 



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