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Renata Kabeya – Um legado na educação, uma história de superação e fé

Clairton Weber / Especial DS 29/04/2022 Memória

A socióloga Renata Kabeya foi professora por muitos anos

Memória

Renata Kabeya – Um legado na educação, uma história de superação e fé

Renata Barros Abelha Kabeya nasceu no Distrito de Santa Margarida, município de Bela Vista do Paraíso, no Paraná, em 14 de outubro de 1975. Seu pai, José Geraldo (Zé Abelha) foi o primeiro a pôr os pés no Estado de Mato Grosso, para onde vinha regularmente participar da colheita de soja. Em 1998 veio definitivamente, se instalando em Tangará da Serra com a família: a esposa Joana dos Santos Barros e os filhos Renata, Fernanda, Anelisa e Miguel. Primeiro se instalou por algumas semanas na Rua 12, no centro da cidade e logo em seguida numa casa situada na Rua 30, no Bairro Tarumã.

A socióloga Renata Kabeya foi professora por muitos anos. Estava ligada ao campus da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) de Barra do Bugres, de onde se desligou por aposentadoria compulsória em 2015. Foi professora efetiva também na rede estadual de educação. Renata esteve nas salas das principais escolas sediadas no município: 29 de Novembro e 13 de Maio, mas também ministrou aulas na Escola José Nodari, Sílvio Paternez e Antônio Casagrande. Foi professora na Unitas, faculdade que funcionou por alguns anos onde hoje está instalada a Prefeitura Municipal.

Joana dos Santos Barros, mãe de Renata, deu detalhes sobre a nossa homenageada, especialmente dos anos em que morou no Paraná.

“Foi uma filha muito querida. Muito dedicada em tudo o que fez. Teve criança à moda antiga. Família, estudos, religião”,
fez questão de destacar a genitora,

que vive já há alguns anos no Bairro Santa Lúcia, aqui mesmo em Tangará da Serra, mas nunca se desligou da Comunidade Sagrado Coração de Jesus.

A mãe explicou que a vinda da família para o Estado de Mato Grosso em 1998 ocorreu de maneira muito tranquila.

“As meninas ficaram no Paraná por alguns meses só para completar os estudos naquele ano. A Renata mesmo, que trabalhava na Apae em Bela Vista do Paraíso chegou em Tangará da Serra já empregada e desde então sempre foi muito presente”,
observou dona Joana,

que hoje divide o seu tempo com algumas atividades manuais e as atividades da Igreja. Quando fala da filha e nem poderia ser diferente, os olhos marejados deixam transparecer a emoção, a dor e a saudade. Para superar, fé e oração, explica.

“A Renata sempre gostou destes momentos como o que estamos vivendo agora, Páscoa, Natal, oportunidades para reunir a família”.

O casamento: informática presente

Na tarde do último dia oito de abril, depois de várias tentativas e algumas ponderações, o viúvo Kelvin Shin-iti Kabeya, 47 anos, engenheiro agrônomo formado em Lavras-MG, nos recebeu para uma entrevista. Informado da proposta e dos locais onde o conteúdo viria a ser publicado (site do Jornal Diário da Serra, no próprio jornal impresso e também na próxima edição do livro Memórias), concordou plenamente e não estabeleceu nenhuma restrição, apesar das emoções que viriam a partir das perguntas e das recordações que seriam suscitadas de momentos difíceis que ainda estão muito vivos na memória.

Kelvin e Renata se conheceram em 2001, a partir de um chat na internet. Olhando assim, em perspectiva, não é nada de especial, contudo, mais tarde se verá que a informática e toda a “parafernalha” que acompanha o desenvolvimento tecnológico das últimas décadas terá um episódio singular na vida dessa família que surgiu a partir de um site de relacionamentos. Kelvin conta que esteve em Minas Gerais entre os anos de 1993 e 2000 estudando. Conforme dito, a faculdade de agronomia em Larvas e logo na sequência mestrado em zootecnia. De volta à Tangará da Serra, o choque da realidade. Estava desconectado da turma e a internet foi uma alternativa.

A socióloga Renata Kabeya sempre foi muito ligada à Igreja Católica, segundo explicou Kelvin.

“Ela era catequista na Comunidade Sagrado Coração de Jesus, aqui no Bairro Tarumã. O namoro motivou, claro, minha migração para a comunidade católica. Desde aqueles tempos tenho participado de muitas atividades. Fiz a catequese já adulto e passei por todos os ritos da Igreja Católica”,
disse.

O casamento aconteceu em 14 de janeiro de 2005.

O filho do casal, João Lucas Abelha Kabeya, 16 anos, estudante, veio ao mundo numa gestação de alto risco. Kelvin contou que o problema era desconhecido até então. Renata, com frequência verificava um inchaço nas pernas e isso sempre foi atribuído à profissão (muitas horas em pé, em sala de aula). Um exame mais apurado no pré-natal apontou uma doença nos rins, que causava uma paulatina perda de capacidade renal e apontava para no futuro um inevitável transplante. O médico que atendeu Renata chegou a sugerir que a gestação fosse interrompida.

“Foi um momento muito difícil, mas, rejeitamos prontamente a sugestão e assumimos o risco. Decidimos em seguir com a gestação graças a nossa fé e também a outros profissionais que atuam na área e nos deram segurança para tomar a decisão que hoje julgamos muito acertada”,
explicou Kelvin Kabeya.

João Lucas veio ao mundo e seus primeiros 21 dias foram numa unidade de tratamento intensivo.


Segunda provação: mais uma luta pela vida

Em 2012, um pequeno acidente, aparentemente sem importância vai desencadear preocupação e uma luta pela sobrevivência difícil de explicar. A professora Renata Kabeya entrava numa loja no centro de Tangará da Serra e esbarrou na escadaria da entrada. Um pequeno ferimento na perna causou uma infecção generalizada e os rins pararam de funcionar. Desde então ela fez hemodiálise para continuar viva. O tratamento começou em Tangará da Serra e se estendeu por cinquenta e oito dias na unidade de tratamento intensivo do Hospital Santa Rosa em Cuiabá. O viúvo explicou que os primeiros dias desse episódio foram muito angustiantes, pois não se sabia o que desencadeou a queda das plaquetas no sangue. Mais tarde os exames apontaram para dengue. Ela chegou a ter alta de vinte e quatro horas, mas, retornou ao mesmo hospital com uma infecção pulmonar.

“Pensei que ia perdê-la naqueles dias. Os pulmões estavam 95% comprometidos”,
lembrou.

Três anos mais tarde, com muita persistência, Renata Kabeya se aposentou, desligando-se das atividades de professora da rede estadual e da universidade.


Covid-19: um nome entre centenas

A epidemia de Covid-19 que assola o mundo desde março de 2021 ceifou vidas com a mesma velocidade da internet. As primeiras e desencontradas informações sobre a doença indicavam gravidade e a necessidade de cuidados, especialmente por parte de idosos, imunossuprimidos ou ainda quem estivesse enfrentando outras comorbidades. A família Kabeya sabia disso. Tomou os cuidados necessários e aguardava ansiosamente chegar a vez de vacinar, principalmente a professora Renata, que, como sabemos, tinha todo o histórico de doença renal.

João Lucas passou o ano de 2020 tendo aulas por teleconferência, Renata, assim como milhares de brasileiros ficou em casa e Kelvin, que é funcionário público municipal continuou trabalhando na Secretaria Municipal de Agricultura observando o distanciamento social e tomando os cuidados recomendados. Contudo, em algum momento a doença chegou até essa casa também. Na verdade, todos os três se contaminaram ao mesmo tempo, mas, a gravidade da doença foi diferente para cada um.

Kelvin Shin-iti Kabeya conta que levou a esposa para internar já ciente da gravidade do caso. Ele próprio estava contaminado e com o pulmão bastante comprometido. Na UTI-Covid já há alguns dias, as notícias vinham a conta-gotas.

“Até dava a impressão que ela estava melhorando. Hoje, olhando friamente o prontuário médico vejo que ela foi piorando a cada dia”,
lamentou e com os olhos marejados contou como foi o momento em que recebeu a notícia do passamento de Renata.
“Naquela terça-feira em tinha recém saído do hospital onde fui fazer uma tomografia, pois minha situação também não era boa. Me chamaram de volta e ali mesmo, no corredor, me informaram que ela tinha sofrido duas paradas cardio-respiartórias. Não tenho palavras para descrever o que senti naquele momento. Meu desejo era apenas de vê-la uma última vez. O que me foi consentido porque eu também estava contaminado… foi muito difícil”.

Ainda outro detalhe característico dos dias que correm pode aqui ser registrado: Kelvin ficou junto ao corpo da falecida esposa por cerca de dez minutos. Nesse tempo a notícia já havia se espalhado e as redes sociais, sem parcimônia replicavam a morte da socióloga. O filho do casal soube da morte da mãe pela internet. Kelvin confirmou isso.

“Meu telefone não parava de tocar. Atendi apenas o meu filho. Não conseguia raciocinar direito”,
disse.

Por conta desse episódio e evidentemente pela perda da mãe e tudo o que envolve um passamento resultante da Covid-19, onde as homenagens póstumas são limitadas, João Lucas passou a ter acompanhamento psicológico.

À medida que as imagens dos momentos mais marcantes vão se afastando, Kelvin tenta recomeçar.

“É preciso seguir em frente”,
diz.

O ambiente no trabalho e o envolvimento com as atividades do dia-a-dia ajuda a superar, mas, também ele foi buscar apoio médico. Como todo casal, tinham sonhos, projetos e prioridades. Perguntado sobre, Kelvin Kabeya disse que em determinado momento sonharam com uma viagem a Jerusalém, no entanto, quando Renata passou a fazer hemodiálise isso se tornou um projeto inviável.


Sua partida e a homenagem póstuma

Duas paradas cardio-respiratórias interromperam a vida da socióloga em 9 de março de 2021. Renata, assim como milhares de brasileiros enfrentava a Covid-19. Sua história de vida justifica a homenagem póstuma recebida: o Centro Catequético Sagrado Coração de Jesus, no Bairro Tarumã se chama, desde então, Renata Barros Abelha Kabeya. A menção honrosa foi concedida por uma assembleia que registrou mais de trezentas assinaturas.

Convidado a dar um testemunho sobre o trabalho realizado pela colaboradora Renata Kabeya, o Frei Alceu Boniatti não mediu palavras.

“Eu conheci a Renata ainda em 2012 em Cuiabá, no hospital Santa Rosa, quando ela se recuperava de um problema muito sério de saúde. Aqui em Tangará da Serra acompanhei seu trabalho na Comunidade Sagrado Coração de Jesus. Sempre foi uma pessoa que agregava. Dinâmica e muito competente. Uma líder indiscutível que sempre soube valorizar opiniões divergentes e uma pessoa muito positiva”,
resumiu.

Boniatti disse que a honraria póstuma foi muito justa, inclusive referendada por toda a comunidade.

(Com supervisão Fabíola Tormes)



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