Com inteligência prodigiosa, desde muito pequeno escolheu a profissão que seguiria
Quantas vezes nós cruzamos o caminho de pessoas que parecem nem serem desse mundo. Pessoas com uma luz tão brilhante que atraem para si todos que estão ao redor e às vezes nem precisam articular, mas somente brilhar. Assim foi Marcelo Takafumi Shida, um ser iluminadíssimo que teve uma passagem rápida, mas intensa pela Terra, e, que plantou por onde passou sementes de amor, bondade, humildade, e principalmente de humanidade.
Com inteligência prodigiosa, desde muito pequeno escolheu a profissão que seguiria na fase adulta e dela jamais se desviou. Seu foco era a Medicina, uma vez que convivia com muitos médicos na família.
Nasceu em 6 de maio de 1967 em São Paulo - capital, sendo o primeiro filho do casal Maria Rita Mituzaki Shida, que era Professora e Takashi Shida, que era Engenheiro Civil. Chegou cerca de um ano e quatro meses após o casamento dos pais que ainda estavam na labuta de crescer para ter condições de dar uma vida equilibrada aos filhos. A chegada de Marcelo, que nasceu com dois quilos e quinhentos gramas foi sofrida, mas cheia de realizações após um trabalho de parto que durou em torno de 24 horas.
Com o passar do tempo, chegaram Cláudio, Luciana e Tatiana para se juntarem ao primogênito em muitas traquinagens.
“Era irrequieto, arteiro”,
conta o pai.
“Ele queria ser sempre o primeiro em tudo e era muito esperto. Quando eram pequenos, nós dávamos dinheiro e o Marcelo gastava tudo e depois vinha tentar convencer o Cláudio a fazer sociedade no dinheiro do irmão, que era mais seguro que ele”,
recorda sorrindo.
Tinha duas paixões, a medicina e o serviço militar. Aos 17 anos iniciou a faculdade em Sorocaba, e aos 18 foi chamado para o alistamento, mas como estava na faculdade, aonde ficou por seis anos, adiou o sonho, apresentando-se tão logo terminou a primeira fase de sua missão. No Exército Brasileiro permaneceu por um ano e, após isso, pediu baixa.
Ao sair do Exército, iniciou o período de residência no Hospital Santa Marcelina em Itaquera, em São Paulo, aonde ficou por mais cinco anos e se especializou em Cirurgia Geral.
Nesse período, conhece Gianne Brito, também da área da Saúde, que fazia residência em Anestesia, com quem se casou.
Ela, assim como ele, tinha parentes em Tangará da Serra e por isso foram se afinizando com a cidade. Gianne terminou antes a residência e foi convidada a vir trabalhar em Tangará e Marcelo veio tão logo terminou a sua em 1997. Com isso, o casal se casa e passa a morar com os pais de Marcelo.
Após um período, a primeira e única filha Isabela chega para coroar de êxito a união que seguiu por 12 anos.
“Os dois se davam muito bem e viveram até quando deu. Mas, a separação fez com que eles ficassem ainda mais unidos. O casamento acabou, mas a amizade nunca. Tudo foi feito de forma extremamente cordial e para que a filha não sofresse. Eles eram amigos e parceiros demais, mesmo após o término do casamento”,
revela Dona Maria Rita Shida.
Marcelo Shida é lembrado com saudade é verdade, mas, mais que isso, é lembrado como uma pessoa de coração bom, limpo, grande, desapegado e muito amoroso.
“Um ser humano incrível! Sempre chamava pelo nome sem ao menos ver a ficha do paciente e sabia do que ele estava tratando”,
diz a irmã Tatiana Shida.
“Ele nunca se prendeu ao dinheiro. Fazia tudo que podia para ajudar, fosse com a consulta ou com a medicação com amostras grátis”,
lembra.
Era muito desapegado e inclusive, realizou diversas cirurgias sem nada cobrar.
“Só cobrava a parte do hospital”. Conhecia a fundo os pacientes que mandava devolver o dinheiro da consulta. “Mandava devolver porque sabia que a pessoa não tinha nem como se alimentar direito”,
relatam os pais.
Após seu falecimento foram vários os casos que vieram à tona como um em que o paciente narrou ao pai o processo.
“Ele disse: seu filho me salvou de uma apendicite supurada. Era umas duas da manhã quando chamei e ele logo me deu o diagnóstico e, imediatamente fui operado”,
conta o senhor Shida.
“Para ele não havia horário. Saía para atender em meio aos almoços, churrascos, passeios em restaurantes com a família e jamais reclamava”.
Dentre os diversos dons que possuía, um sobressaía, o de fazer com rapidez o diagnóstico.
“As vezes, os pacientes já haviam passado por outros médicos e chegavam falando do problema e somente pelas queixas ele já desconfiava”,
diz o pai sobre um caso que havia sido diagnosticado como apendicite, mas o pai do rapaz queria saber a sua opinião antes de operar porque o preço cobrado pelo médico que diagnosticou o caso era muito alto e, como ele não conseguia pagar o preço, veio ver quanto ele cobraria.
“Marcelo disse toma esse remédio e depois me fala e se não forem vermes, rasgo meu diploma”,
relata o pai ao salientar o nível de acerto do filho que entre esse e outros inúmeros casos salvou vidas.
“Ele atendeu um rapaz que já estava há meses tratando como meningite e a melhora não vinha. Marcelo pediu para conversar com os pais e amigos do rapaz e suas perguntas foram sobre a alimentação do jovem. Nisso descobriu que o rapaz amava conservas e sua preferência era por palmito, o que acendeu o alerta para botulismo, sendo esse caso, o primeiro a ser diagnosticado no Município”.
Com a ajuda de amigos de fora, de outros estados fechou o diagnóstico e foi informado que havia um soro que poderia ajudar no tratamento. A partir daí, não fez outra coisa a não ser buscar pelo medicamento que somente conseguiu em Brasília por muito empenho, salvando a vida de um jovem Agrônomo que teve uma chance a mais na vida.
Outro ponto forte de sua profissão, era o diagnóstico certeiro de hantavirose.
Uma das muitas mágicas que fazia acontecer, o de levar alegria, leveza era seu diferencial. Era muito brincalhão, e não fazia questão alguma de ter a distância entre médico e funcionários. Era extremante irreverente, gostava de fazer os outros felizes e os ver sorrir. Buscava sempre se colocar no lugar do outro e era muito intenso.
Após a separação, voltou à casa dos pais com quem possuía uma ligação fortíssima. A vida foi correndo e conheceu Rosimeire Luzia de Sousa, com quem planejava casar-se, mas como a vida tem lá suas nuances, em meio à pandemia do Covid-19, decide se mudar para não levar a doença para os seus.
“Mobiliou o apartamento e para lá se mudou. Por seis meses ele entrava pela lateral e ia para os fundos e lá levávamos o seu prato e conversávamos à distância, com toda cautela possível”,
diz a mãe visivelmente emocionada.
No mês de outubro, Rose, a namorada começa a tossir e Marcelo diz a família que os dois testaram positivos para a doença, mas que estavam bem. A família inicia então, o trabalho de rede de apoio em fazer compras de mercado e levar comida, quando a irmã, Luciana percebe que o irmão está demasiadamente ofegante ao descer ou subir os degraus de sua casa. Alerta-o, mas ele diz que está bem. Com isso, ela solicita ao irmão de profissão de Marcelo, doutor Marcos Nishimura, que o incentive a fazer novos exames. O médico vai ao hospital e ali já fica internado.
“Notou-se no Raio X um pequeno comprometimento pulmonar e ele ficou internado por precaução, só por excesso de cuidado”,
relata a irmã Tatiana, ao usar as palavras dele no grupo para acalmar a família.
Marcelo foi internado no dia 14 de outubro em Tangará da Serra aonde ficou por uma semana, sendo transferido para São Paulo para o Hospital Beneficência Portuguesa, local aonde perdeu a luta para a doença após quatro dias.
“Eu jamais pensei que ele iria partir, mesmo entubado”,
ressalta a mãe ao dizer que a vontade da família era de ter removido o filho já nos primeiros dias, mas que por causa de uma regra de que o avião UTI apenas remove pacientes entubados, e, esse não era o caso de seu filho, não foi possível.
“Fomos avisados pelos médicos que o acompanhavam que ele foi enfático ao dizer que não queria sair de Tangará da Serra, mas nós como família que o amávamos muito, decidimos por fazer o que achamos melhor naquele momento”,
salienta Tatiana emocionada.
“Temos muito que agradecer todo o carinho que tiveram com ele, inclusive, um fisioterapeuta que ele tinha muita confiança que trabalhou por 36 horas seguidas para cuidar do meu irmão, que o mandava embora para ficar com a família, mas ele só ia tomar um banho e voltava em seguida”,
relata a irmã.
“Não sei se ele já sabia, mas ele vivia imensamente”,
diz a mãe ao recordar que ouviu do frei Luciano que estava todos os dias recebendo pedidos de oração pela sua recuperação.
A família conviveu dia a dia com Marcelo, mas somente com sua partida, descobriu o quanto ele era profundo.
“Ele mantinha amizade com amigos de infância, de grupo de futebol, de amigos da faculdade, do tempo da residência, do exército e tinha o dia certo em que conversava nos grupos e descobrimos isso porque no dia o celular começava a entrar as mensagens”,
relembra a mãe.
O médico faleceu no dia 27 de outubro de 2020, aos de 53 anos e deixou os pais Takashi Shida e Maria Rita Mituzaki Shida, os irmãos Cláudio Shida, Luciana Shida Scarsi e Tatiana Shida, a noiva Rosimeire Luzia de Sousa com que casaria três meses após sua partida, os sobrinhos Gabriella, Bruno, Mariana, Leonardo e a filha Isabela Brito Shida.
“Meu pai sempre foi meu herói, desde pequenininha ele foi minha maior inspiração, sempre representou inteligência, educação, humildade, generosidade, compaixão, responsabilidade, competência e tudo isso com muito senso de humor. Tenho muito orgulho de ser filha desse homem tão incrível e sou grata por ter aproveitado e valorizado cada momento que passamos juntos. Amo demais e morro de saudades!”.
Por relevantes serviços prestados ao Município, através da propositura da vereadora Elaine Antunes, o Legislativo definiu a nominação da ala de unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Municipal Arlete Daisy Cichetti de Brito com seu nome. Além dessa homenagem, o médico teve seu nome eternizado também no Hospital Santa Ângela, que inaugurou em 2021 um Centro Cirúrgico denominado Marcelo Takafumi Shida.